China, Estados Unidos e o Brasil: A Soberania que a Direita Seleciona
- LR Adm

- 1 de ago.
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Por Luiz Assis
Em tempos de polarização política, muitos conceitos fundamentais são distorcidos ou usados como instrumentos de mobilização ideológica. Um exemplo claro disso é o discurso recorrente da direita brasileira (especialmente dos setores mais alinhados ao bolsonarismo) de que a esquerda “entregaria o Brasil para a China”. Essa narrativa, no entanto, esconde um paradoxo: os mesmos que acusam os governos de esquerda de submissão à China foram responsáveis por políticas de profunda subserviência aos Estados Unidos, muitas vezes comprometendo, de fato, a soberania nacional.
Neste artigo, vamos destrinchar essa contradição, apresentar dados, eventos concretos e evidenciar o caráter seletivo dessa retórica.

A China: principal parceiro comercial do Brasil
Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil, superando os Estados Unidos em volume de trocas. Em 2023, o comércio bilateral entre Brasil e China movimentou mais de US$ 150 bilhões, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex)【Fonte: ComexStat - Gov.br】.
O país asiático compra majoritariamente soja, minério de ferro e petróleo, sendo essencial para o superávit comercial brasileiro. Isso inclui setores tradicionalmente associados à base de apoio da direita (como o agronegócio) que depende fortemente da China para escoar sua produção.
A aproximação com a China, portanto, não é ideológica: é pragmática e estratégica.
A retórica antichinesa da direita brasileira
Durante o governo Bolsonaro, o alinhamento automático com os EUA gerou uma hostilidade aberta à China. Apoiadores do ex-presidente promoveram teorias conspiratórias envolvendo o “vírus chinês”, criticaram a Huawei no 5G e acusaram o Partido Comunista Chinês de influenciar governos de esquerda na América Latina.
Essa postura foi mantida mesmo diante da dependência de insumos chineses durante a pandemia de COVID-19, inclusive os principais princípios ativos de vacinas, como a CoronaVac, vieram da China. O país asiático, mesmo atacado, manteve a diplomacia e continuou exportando vacinas e insumos para o Brasil.
O que a direita entregou aos EUA?
Base de Alcântara (MA)
Em 2019, foi assinado o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), permitindo que os EUA utilizassem a Base de Alcântara para lançamentos espaciais. Especialistas apontaram que o Brasil abriu mão de autonomia tecnológica e correu o risco de comprometer parcerias com outros países (como Ucrânia e China).
Fonte: Senado Federal
Isolamento do Mercosul e aproximação ideológica com os EUA
O governo Bolsonaro reduziu o papel do Brasil em fóruns multilaterais, esvaziou a agenda dos BRICS e tentou substituir alianças estratégicas por promessas vazias de acordos bilaterais com os EUA, acordos que nunca se concretizaram.
Pressão contra a Huawei no 5G
Em alinhamento com a política de Trump, o Brasil tentou barrar a participação da Huawei no leilão do 5G, sem apresentar provas de riscos à segurança nacional. Isso gerou atritos diplomáticos e preocupações no setor de telecomunicações, já que a Huawei tinha oferta tecnológica mais avançada e barata.
Fonte: BBC Brasil
A falsa dicotomia: China = ditadura / EUA = liberdade
Um dos eixos do discurso da direita é associar qualquer relação com a China a uma ameaça autoritária. O problema é que isso ignora o histórico dos EUA em apoiar golpes de Estado, intervir em eleições e explorar recursos naturais de países subdesenvolvidos. Só na América Latina, os EUA:
Apoiaram o golpe de 1964 no Brasil (ver documentos desclassificados do Departamento de Estado dos EUA);
Financiaram a ditadura de Pinochet no Chile;
Interferiram em eleições e governos no Haiti, Nicarágua, Venezuela, Bolívia e outros.
A ideia de que os EUA representam uma aliança “em nome da liberdade” é uma construção retórica que não resiste à análise histórica.
O pragmatismo da esquerda: relações comerciais com soberania
Os governos de Lula e Dilma buscaram relações com diversos polos globais: EUA, União Europeia, China, Oriente Médio, África e América Latina. A intenção era diversificar a inserção do Brasil no mundo, com autonomia.
Em 2009, foi criado o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), como bloco de cooperação entre potências emergentes;
Houve aumento expressivo nos investimentos chineses em infraestrutura, energia e agronegócio no Brasil, sem exigências políticas;
O Brasil também reforçou sua posição no G20, OMC e na ONU, buscando maior protagonismo multilateral.
Ao contrário da direita, que fez juras de fidelidade ideológica a Washington, a esquerda atuou com pragmatismo e foco em interesses nacionais.
A soberania seletiva como arma política
A direita brasileira não é contrária à entrega da soberania, ela apenas escolhe para quem entregar. Demoniza a China, mesmo quando ela traz ganhos econômicos concretos, e exalta os EUA, mesmo quando estes impõem condicionalidades, exploram politicamente o país ou atuam em benefício próprio.
Essa seletividade revela que o debate não é sobre soberania nacional, mas sobre narrativa ideológica e manutenção de poder político.
O verdadeiro caminho soberano para o Brasil não é alinhar-se automaticamente a nenhuma potência, mas atuar com autonomia, equilíbrio e foco nos interesses nacionais, algo que exige mais estratégia e menos ideologia.
Referências adicionais:
Ministério das Relações Exteriores: https://www.gov.br/mre/
Observatório de Política Externa Brasileira (OPEB): https://opeb.fflch.usp.br/
BBC Brasil, El País, Agência Senado, Valor Econômico.





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